Se você já tentou escrever uma cena romântica e ao começar a botar as palavras no papel se sentiu escrevendo “Sabrina” (não o da do Billy Wilder, a da banca de jornal), “Loretta”, ou qualquer cafonice similar com ares de softporn de quinta, eu te digo: não está sozinho nessa.
Escrever uma cena romântica é lidar com uma chuva de paradoxos. Ao mesmo tempo em que tudo já foi feito, há a vontade de inovar; ao mesmo tempo que há uma hiper-idealização do amor romântico, ele vem apanhando mais que a esquerda no Brasil; ao mesmo tempo em que vivemos ávidos por migalhas de afeto, se relacionar parece uma tarefa cada vez mais complexa; ao mesmo tempo que não queremos soar cafonas demais, precisamos criar conexão emocional com o público.
Dentro de um cenário e num mundo onde o amor romântico parece cada vez mais deslocado ou mal interpretado, surge a pergunta de por onde começar.
Billy Mernit no seu ótimo Writing The Romantic Comedy dá uma dica.
“Comédias românticas não são apenas sobre o amor; elas são sobre aprender a ser vulnerável o suficiente para revelar seu verdadeiro eu... É naquele momento em que duas pessoas reconhecem algo mais profundo uma na outra que o romance verdadeiro é despertado.”
E depois Trubão complementa no seu também ótimo Anatomy Of Genres:
“O amor verdadeiro não é encontrar alguém perfeito, mas descobrir e aceitar as imperfeições... Histórias de romance que ressoam são aquelas onde os personagens enfrentam a dificuldade de uma conexão genuína em um mundo que constantemente os empurra para a superficialidade.”
O tal do mundo superficial que ele se refere é aquele que você tá careca de ouvir da galerinha pseudointelectual, o tal do Amor Líquido, do Bauman, que ele diz que num mundo pós-moderno, bombardeado por narrativas e experiências, o amor tende a ser mais temporário e menos enraizado. Que a ânsia do consumo e a dificuldade em lidar com entraves fariam das experiências afetivas algo deslizante e fugaz.
Como contraponto há uma vertente forte, especialmente no Brasil machoconservador, defendendo a supervalorização do amor romântico, ou, talvez, no ocultamento da posse disfarçada de compromisso para um Casamento Blindado, uma filosofia de caminho aberto pra hipocrisia, propícia a criação de protocornos. Não à toa é muito famosa entre o gado que valoriza a família tradicional brasileira.
Bovinos à parte, contar uma história de amor nessa encruzilhada do capeta não é bolinho. O desafio de levantar uma comédia romântica é enorme. Como comunicar uma história de amor com tantas possibilidades de elaborar os afetos? Como emocionar sem soar repetitivo? Como não ser cafona ou cínico? A patinação de roteiro se torna modalidade frequente.
Eu Te Dei Intimidade?
Mais do que o apaixonamento, a satisfação, a alegria, o compromisso, a virtude e o sexo, eu pessoalmente acredito que uma grande comédia romântica se funda na intimidade, o grande combustível pra criar a química entre os personagens, especialmente se for um casal. Mas para criar intimidade e conexão é preciso, pra mim, entender de qual amor estamos falando.
Então nada melhor ler alguém que escreveu um livro chamado Tudo Sobre o Amor, e eu, como bom esquerdomacho, vou citar dois trechos da bell hooks pra nos colocar em perspectiva:
"O amor genuíno é aquele que busca o crescimento espiritual e emocional do outro, bem como o nosso. Amar alguém exige esforço contínuo e envolve vulnerabilidade e compromisso profundo, diferentemente da satisfação superficial e da possessividade das nossas visões modernas e limitadas do amor."
E depois:
"Vivemos numa cultura que vende a ideia do amor como algo a ser possuído ou conquistado, mas não nos ensina a amar de verdade. Amar exige comprometimento, um ato de coragem que desafia nossa tendência de evitar a dor e a vulnerabilidade. O amor é transformador, mas também é uma prática radical e intencional."
Para a autora, há uma correlação direta entre amor e vulnerabilidade. Pra furar a bolha da superfície e ir além do compromisso contratual ou do sexo valeufalou, é preciso estar vulnerável. E, para estar vulneravel, é preciso ter coragem. Logo, num filme, enquanto o público testemunha uma história de amor se desenrolar, é importante que ele entenda quais os riscos correm os personagens ao tentarem se relacionar, e quais as forças que os impelem para dentro e para fora do relacionamento. Estabelecendo assim, o jogo de atração e repulsa entre eles, fundamental ao gênero, e com quais ferramentas de avanço e inibição eles vão jogar esse jogo.
Cada cena é um pequeno passo desse jogo de pertolonge onde não só o público, mas também os personagens acabam percebendo a mecânica um do outro e, assim, vão criando intimidade. Se conhecendo gradualmente conforme a trama se desenrola. É o que estimula a antológica a cena de Harry E Sally:
Onde eles estão elaborando quem é o outro e quem eles são perante o outro. Fazendo com que eles se sintam gradualmente a vontade de mostrarem seus lados ocultos e de “negociarem” se aceitam o segredo do outro. Muitas vezes cruzando linhas e precisando, ou tentando, retrocedor no já dito jogo de atração e repulsa. Pra deixar a cena ainda mais interessante, ela é recheada de um subtexto erótico inescapável para ele (e para o público) que termina, inclusive, com a maior punch line de todos os tempos. E tenho dito!
Muitas vezes procuramos que as narrativas despertem emoções que gostaríamos de viver, reviver ou revisitar de forma controlada. A reiteração e repetição nos ajuda, de alguma forma, a elaborar sentimentos. É assim com muitos filmes de gênero, na pertubação do terror; na ambivalência da comédia ou na catarse do drama. A comédia romântica, acredito, são histórias de enamoramento, mas não num lugar idealizado, mas sim num lugar da descoberta do outro através da (já tão falada) intimidade. São filmes que emulam os laços criados pelas vulnerabilidades, proporcionando uma satisfação em poder, através dos personagens, vermos eles se abrirem para se (nos) sentirem seguros/compreendidos/correspondidos.
Um caminho interessante pra colocar os personagens nesse contexto é mostrar que se vulnerabilizar ou se deixar descobrir pode também trazer angústia, modulando as emoções dos personagens e, consequentemente, do espectador. Colocar os personagens inseguros ao fazer coisas um para o outro que eles não fazem normalmente em público. Como nessa cena do ótimo Amizade Colorida:
Aqui, o personagem do Justin Timberlake está com a personagem da Mila Kunis na casa dos seus pais. Eles são amigos que transam, mas não se envolvem emocionalmente. Lá, ela descobre aos poucos quem ele foi na adolescência, e ele tem um misto de constrangimento e prazer em ser descoberto por ela. Nós, enquanto público, sentimos o poder de testemunhar esse descobrimento.
O filme, inclusive, traz momentos usuais nos desenhos das cenas, mas é uma espécie de inversão da estrutura clássica de uma comédia romântica tradicional. Ele é quase uma ironia ao subverter a lógica do gênero. Se numa comédia romântica tradicional a história se desenha mais ou menos numa dinâmica de:
Personagens têm questões afetivas
Casal se conhece e são atravessados por um sentimento que não conseguem lidar
Casal fica junto
Casal separa
Tomada de consciência do que o “amor verdadeiro” realmente significa
Casal reata (geralmente no aeroporto, numa cena horrível)
No Amizade Colorida a história começa com o casal ficando junto só pelo sexo. Eles transam muito e vendem muitos ingressos de cinema que quer ver os atores pelados, mas, futuramente, o maior momento de intimidade no filme é justamente quando eles não transam, por estarem na casa dos pais do personagem do Justin (não que eu ache isso um impeditivo, mas eles acharam) e se conectam na esfera emocional.
Essa inversão estrutural não se dá à toa. A comédia romântica é um gênero que estruturalmente tem poucas nuances, onde se pode ajustar uma coisa aqui outra ali, um conceito ou identidade diferente, mas pouca coisa na espinha dorsal do filme varia de fato, se considerado o cinema mainstream. E com isso, muitas vezes o recheio acaba sendo o mesmo. Acabamos nos tornando espectadores passivos demais, procurando um lugar de conforto no romance açucarado e pouco interessados nas nuances de uma das coisas mais interessantes de se fazer em vida: se relacionar; quando não, escritores preguiçosos repetidores conscientes ou não de um imaginário coletivo de amor romântico que já foi tão capturado que parece impossível fugir das regras do jogo.
Baudrillard cita em Simulacros E Simulação que
“Nós vivemos em um mundo onde há mais e mais informação, e cada vez menos significado.”
Para ele, a repetição de imagens e signos leva a uma "simulação" da realidade, onde o que é representado torna-se mais real do que o real, esvaziando o significado das narrativas e transformando-as em versões distorcidas ou manipuladas da realidade original.
Soma-se isso ao fato de vivermos num mundo cada vez mais cínico, em que a cafonice está à espreita e há uma vergonha efetiva ao expressar as próprias emoções de forma sincera (ao ponto de “emocionado” virar gíria pejorativa). Nesse contexto, mesmo sabendo que a gente precisa criar intimidade entre os personagens, pode ficar difícil saber onde enfiar a régua do romance.
Antes que você me dê uma resposta grosseira:
O Duplo (e Triplo) Referencial
Depois que Umberto Eco escreveu O Nome da Rosa, lançou uma coletânea de ensaios e reflexões sobre o livro. O romance, pra quem não conhece, bebe de fontes do estilo policial, mas situa a trama na idade média e coloca um tradutor no seu protagonismo. É um romance de investigação, mas de investigação através da linguagem. Da tradução de símbolos, formas e significados, repleto de subversão dos significados, clichês e ironia.
Em um dos ensaios da coletânea chamado "Reflections on The Name of the Rose" ele dispara:
"Eu penso na atitude pós-moderna como a de um homem que ama uma mulher muito culta e sabe que não pode dizer a ela 'Eu te amo loucamente', porque sabe que ela sabe (e que ela sabe que ele sabe) que essas palavras já foram escritas por Barbara Cartland. Ainda assim, há uma solução. Ele pode dizer: 'Como Barbara Cartland diria, eu te amo loucamente'. Neste ponto, tendo evitado uma falsa inocência, tendo deixado claro que já não é mais possível falar de maneira inocente, ele, no entanto, dirá o que queria dizer à mulher: que a ama em uma era de inocência perdida."
Aqui, há uma ironia inata na fala do Eco que permite falar algo genuíno dentro de um universo permeado de clichês. A citação se torna em si uma forma de expressão.
David Foster Wallace nos seus ensaios E Unibus Pluram: Television and U.S. Fiction diz:
"A ironia é um sistema fechado... mas se a ironia olha para o público e diz ‘estou só brincando’, o público sente-se envolvido no jogo."
Ele sugere no ensaio que a narrativa autorreflexiva aproxima o público, fazendo com que ele participe do jogo da perda da inocência entre narrador e espectador e não se sinta enganado pela narrativa que tenta apagar a quarta parede.
Linda Hutcheon, em A Poetics of Postmodernism:
“A auto-reflexividade, na literatura pós-moderna, permite que os leitores se tornem conscientes do ato de criar, desafiando-os a questionar não só o que leem, mas como interpretam a realidade.”
Sendo assim, existem saída para não repetir os clichês de forma inocente, comum aos gêneros mais fechados, mas não só, que é usar (e abusar) de dois recursos narrativos: a intertextualidade e a narrativa consciente.
A intertextualidade é uma forma de trazer diferentes obras dentro de uma, onde elementos de outras narrativas são incorporados ou aludidos, criando camadas de significado. A intertextualidade assume que nenhum texto existe isolado; ele carrega influências, ecos e conexões com outras obras, explícitas ou implícitas. Essa prática não apenas reconhece o repertório cultural do público, mas também convida à reflexão sobre como as narrativas se constroem e interagem. Temos nas séries exemplos muito vivos como Simpsons e Community, e eu vou destacar um trecho que adoro de um filme massa chamado Crazy Stupid Love:
Outra forma de transcender o formalismo rígido dos gêneros é fazer alusão ao público através dos próprios mecanismos narrativos, onde a graça não seria o ocultamento da narrativa para se criar uma imersão, mas sim um jogo onde o público sabe que está vendo uma narrativa e fica atento a como a história está sendo narrada, como é o caso de várias cenas de 500 Dias Com Ela, como a abaixo, ou simplesmente assumindo um ponto de vista narrativo que pode, inclusive, não ser confiável. Tema muito interessante que vai do Dom Casmurro ao Alta Fidelidade, e que a roteirista Maíra Oliveira falou no FRAPA.
Segue o trecho:
Um filme que eu acho que faz uso da narrativa consciente de um narrador não confiável, intertextualidade entre linguagens de um mundo fragmentado e ainda é uma comédia romântica maravilhosa, é o brasileiro O Homem Que Copiava
Em todos os casos a perda da ingenuidade se dá através da ironia, que pode ser usada como uma ferramenta de aproximação com o público ao entender que ele já traz um referencial narrativo e que não vai embarcar em qualquer idealização ou clichê que a gente apresente a ele.
A Mão Dupla da Ironia
Tanto DFW quanto Eco teorizam como a ironia pode ser usada como resposta a um mundo inflado de histórias, mas não sem pensar no rebote que elas podem causar.
DFW escreve:
"Quero convencer você de que a ironia, o silêncio impassível e o medo do ridículo são características distintivas da cultura contemporânea dos EUA (da qual a ficção de ponta faz parte) e que estão fortemente relacionadas à televisão, cuja mão estranha e sedutora aperta a minha geração pela garganta. Vou argumentar que a ironia e o ridículo são entretenimento eficaz e poderoso e, ao mesmo tempo, agentes de um grande desespero e estagnação na cultura dos EUA, e que, para aspirantes a escritores de ficção, eles representam problemas incrivelmente complicados."
Já o Umberto Eco:
“A resposta do pós-moderno ao moderno é o pastiche e a citação irônica, onde qualquer coisa pode ser usada novamente, mas com a consciência de que seu significado original foi esvaziado e ironizado”.
Diferente do vídeo acima, eu não concordo que o artista tenha necessidade de colocar algo no lugar do que está contestando. Não acredito que a arte existe para oferecer respostas, que esse seja o papel do contador de histórias e que a força destrutiva não tem seu valor. Nem o David Foster Wallace disso isso, inclusive, e acho que algumas coisas no vídeo foram resumidas ou tiradas de contexto.
Por outro lado, acho muito interessante o quanto DFW alertou que a ironia ao excesso pode se tornar o próprio excesso em si. Que a obsessão pelo comentário e auto referência pode gerar um rebote de cinismo onde tudo se torna espertinho demais e a gente acaba se distanciando de algo mais significativo, perdendo nossos referenciais simbólicos e nos deixando à deriva da angústia esvaziada.
DFW vai além e elabora um conceito de que a ironia excessiva de certa forma desresponsabiliza o autor porque dá a ele o direito de usar como resposta a justificativa de que nunca tentou falar sério. Lembrei muito do filme Barbie, que vi recentemente e odiei. O filme pincela temas sérios que, se refutados, sempre terá a saída de que “é só uma sátira e não deve ser levado a sério”, eximindo os realizadores de serem criticados, pois estão sempre reagindo e nunca agindo.
Essa ação desmobilizadora é, inclusive, um efeito da ironia excessiva que o próprio Wallace cita em seu ensaio:
“A ironia tirou nosso poder de agir, nossa vontade de agir, porque é cínica demais e tem medo demais de ser vista como ingênua.”
Žižek também aponta para o quanto a ironia desmedida tem o efeito reverso no seu livro O Sublime Objeto da Ideologia quando afirma que:
“No cinismo contemporâneo, não é que as pessoas ‘não saibam’, mas que ‘sabem muito bem, e ainda assim’. Elas sabem que a ideologia é uma construção e que o sistema é injusto, mas continuam participando dele de forma cínica e irônica, porque este cinismo permite que elas se distanciem e não assumam uma posição de confronto direto.”
Ele afirma que o distanciamento irônico transforma o mundo em um espaço de “desespero passivo”, onde a crença é substituída por uma “aceitação sem fé”. Ao invés de rejeitarmos ou confrontarmos o sistema, adotamos uma postura cínica, que só reforça o funcionamento do próprio sistema já que desmobiliza propostas contrárias. Monark taí pra provar, infelizmente.
No campo dos afetos não seria diferente. Se assumirmos o preceito de que intimidade se faz com coragem e vulnerabilidade, a ironia excessiva também nos blinda de nos expor. Se por um lado ela pode nos ajudar a quebrar a ingenuidade, por outro ela pode nos afastar de uma posição de vulnerabilidade necessária para criar laços afetivos efetivos.
O Vaievem
Vejo que algumas obras recentes são respostas a uma fadiga da ironia. Séries como Ted Lasso e Ninguém Quer são alternativas a um jogo excessivamente cínico, que talvez proponham caminhos que abarcam interesses de espectadores que querem relaxar mais. É o tal do fiugudi, mas sem tomar a rota de idealização cheirando à naftalina. Em ambas as séries os personagens são imperfeitos, falhos, extremamente vulneráveis e em contato com suas cisões. Podem ser bem intencionados, mas estão longes de serem perfeitos.
Ted Lasso vive um luto de um relacionamento, crises de ansiedade, e seu otimismo é visto como algo a ser problematizado como mecanismo de defesa, não como um valor por si só. Da mesma forma em que Ninguém Quer consegue criar a química de um casal, mas trazendo feridas passadas e diferenças culturais que vão tensionar a dualidade entre tentar manterem um relacionamento saudável ou se fecharem em si mesmos.
É interessante como algumas obras conseguem desarmar o próprio jogo irônico que constituíram através da repetição ao longo do desenvolvimento da narrativa. Se a ironia precisa de uma autoconsciência ou repetição pra funcionar, tanto o narrador consciente pode se dar conta do seu distanciamento emocional e fazer um resgate de si mesmo ao longo da trama, quanto a repetição da ironia pode fazer os personagens perceberem que estão estáticos.
É o caso do maravilhoso O Feitiço do Tempo, vou deixar um compilado aqui:
E do inesquecível final de Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças
Onde podemos ver em ambos os casos a ironia que a inevitabilidade da vida (e da narrativa) nos trazem, mas, ao mesmo tempo, ao invés de uma reação cínica e desengajada à ela, os personagens resolvem se posicionar de forma diferente e corajosa, se abrindo pra laços de afeto, por mais dífícil que possa ser.
Obrigado pela leitura e até a próxima :)
Amei. Venho pensando muito sobre como escrever sobre o amor hoje. Acho que estamos precisando demais de histórias de amor mais realistas (no sentindo de com mais nuances e menos aversão à ambiguidade) que não caiam nem na armadilha da hiperidealização romântica do amor nem na ironia excessiva que nos protege de dizermos alguma coisa. Vejo particularmente na via da hiperidealização que segue vivíssima nos melodramas um perigo enrome (inclusive político) de nos mantermos presas em repetiões de contos de fadas que têm mensagens bem péssimas para todos os envolvidos, mas sobretudo para as mulheres, que são o público alvo principal dessas narrativas. Mas fugir disso sem ser para dentro dos braços do cinismo total é uma tarefa difícil. Acho que um exemplo bom, mas em outro lugar, é Vidas Passadas. É uma história de amor que envolve os espectadores emocionalmente (quem não chorou, gentchy?), e que não é cínica ou desacreditada no amor, mas sabe que o amor não basta. Olha para o amor de uma forma complexa e ambígua e bonita, reconhecendo a importância da história (e as vidas passadas) de cada um para a possibilidade do encontro. Não foge da vulnerabilidade, mas também nos conta a real: que o desencontro também faz parte do amor, e também dá história boa.